Diogo Tomaszewski
O aumento no preço dos alimentos e a juventude de baixa renda

Se você faz compras rotineiramente, certamente percebeu que os preços dos alimentos aumentaram de maneira considerável no ano passado. Para além do momento atípico que estamos atravessando, tal fato reflete uma série de consequências para a população brasileira, que encontra dificuldades para realizar um dos atos mais primordiais da vida: alimentar-se.
A questão fica mais preocupante ainda quando se pensa na juventude de classes econômicas mais baixas.
POR QUE ACONTECEU ESSE AUMENTO?
Uma das maneiras de mensurar esse aumento é através do chamado Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que mede a variação de preços de um conjunto fixo de bens e serviços que fazem parte das despesas habituais das famílias. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) divulgou recentemente o IPC acumulado em 2020 (veja a tabela abaixo), o que permite tangibilizar algumas questões.

Fonte: FIPE, 2021
O IBGE divulgou que a inflação em 2020 fechou em 4,52%. Só com essa informação, já deu para perceber que, no geral, os preços se elevaram mais do que o desejado, ou seja, o poder de compra diminuiu. O grande destaque vai para o setor de Alimentos, que foi a categoria que mais subiu, cerca de 3,5 vezes o valor da inflação.
Abaixo, os principais alimentos que fizeram com que esse valor fosse atingido:

Fonte: G1, 2020
É claro que a pandemia da SARS-CoV-2 tem influência nesse resultado, mas ela não deveria ser a causa de todos os problemas que acontecem no país. Precisamos de menos escapismo e mais protagonismo. Menos culpabilização de agentes externos e mais ação propositiva. A manutenção dos nossos bancos de alimentos poderia ter ocorrido. O abastecimento do mercado interno poderia ter sido diferente. O preço dos alimentos em 2020 poderia ter sido diferente se tivéssemos como base a resiliência dos nossos sistemas alimentares.
ISSO ATINGE A TODOS DE MANEIRA IGUAL?
Esse dado, por si só, já é bastante preocupante. Mas a situação ganha ares mais preocupantes quando analisa-se o chamado IPC-C1, voltado para famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos.
Até o mês de novembro de 2020, a inflação para as famílias com essa renda tinha um acumulado de 4,6% - puxados, principalmente, pela alta dos gêneros alimentícios - ao passo que para as famílias com maior poder aquisitivo chegou a apenas 1,9%. Além disso, segundo o "Estudo sobre a Cadeia de Alimentos" do Instituto Ibirapitanga, a compra de alimentos representa 26% de seu orçamento total de famílias com até dois salários mínimos, ao passo que para famílias acima de 25 salários mínimos esse percentual cai para 5%.
É possível enxergar, então, uma dupla carga àqueles com uma condição socioeconômica desfavorável: não apenas os alimentos ficaram mais caros, mas isso acaba impactando de maneira mais direta seu orçamento familiar.
E A JUVENTUDE DE BAIXA RENDA, COMO FICA?
Egresso da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” - o campus da USP em Piracicaba, morei durante todo o período da graduação na Casa do Estudante Universitário “José Benedicto de Camargo”, moradia estudantil voltada à moradores de baixa renda. Cada um dos 120 (cento e vinte) moradores paga uma mensalidade simbólica de R$ 40,00 (quarenta reais), que tem a função de auxiliar na manutenção da Casa. Além disso, a grande maioria frequenta o Restaurante Universitário do campus (apelidado de “Rucas”), que oferece almoço e jantar ao custo de R$ 2,00 (dois reais) por refeição. Nesse sentido, existe um auxílio-alimentação que permite que os beneficiários garantam entre 2 e 4 semanas de refeição no Rucas.

Entrada da Casa do Estudante Universitário “José Benedicto de Camargo”, a CEU (Fonte: ESALQ)
A Universidade oferece ainda estágios internos através do Programa Unificado de Bolsas (chamaremos de “Bolsa PUB”), que concede um auxílio de R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais em trocas de atividades de ensino, pesquisa ou extensão com carga horária de 10 (dez) horas semanais. Grande parte dos moradores da Casa do Estudante usufruem dessa bolsa, muitos dos quais têm nela sua única fonte de renda.
Não há nenhum reajuste dos valores da Bolsa PUB desde o ano de 2013, conforme observado no gráfico a seguir:

Fonte: Autoria própria.
Dados retirados da Universidade de São Paulo e do IPEAData.
Em termos práticos, isso significa que o poder de compra dos estudantes diminui a cada ano. Excluindo a inflação acumulada e considerando-se o percentual da Bolsa PUB em relação ao salário mínimo (neste caso, 59% do valor), o auxílio atual deveria ser aproximadamente R$ 650,00 (seiscentos e cinquenta reais), o que significa um aumento de 62,5% sobre o valor atual.
Pensando nesse contexto, conversei com dois estudantes que moram na Casa do Estudante, para entender suas percepções acerca do aumento de preços relacionados à alimentação.
Renata Batista tem 20 anos e é estudante do nono período de Engenharia Agronômica. Antes de ingressar na faculdade, morava com seus pais e mais 4 irmãos em Paulínia. João Victor Lopes tem 22 anos e cursa o sétimo período de Engenharia Florestal. É natural de São Paulo e tem dois irmãos. Ambos os cursos acontecem em período integral, das 8h às 18h de segunda à sexta-feira, com algumas “janelas de horário” (períodos sem aula). Ambos têm na Bolsa PUB sua única fonte de renda.

Durante o ano de 2020, Renata decidiu realizar a transição para o vegetarianismo, com o intuito de seguir uma alimentação mais saudável. Isso fez com que ela se aproximasse mais da cozinha: “é muito libertador, você vai tirando vários preconceitos. É um processo lento, então devemos respeitar o tempo de cada um”. Questionada sobre como ela acredita que a questão do consumo de carne modifica os gastos com alimentação, ela é enfática: “Do ponto de vista financeiro, por estar cozinhando todo dia, estou tendo que comprar mais comida. Mas pra quem come carne, essa mudança de preço não é tão diferente”. Pensar no vegetarianismo como alternativa para o aumento de preços dos alimentos faz todo o sentido, segundo ela: “A questão da liberdade de escolha está relacionada tanto com aquilo que a gente vai comer na universidade quanto a gente vai comprar os nossos alimentos, então quanto está custando as coisas influencia muito, principalmente a qualidade da nossa alimentação. A comida vegetariana pode ser uma das alternativas, tanto pela questão do preço quanto pela questão da sustentabilidade. Entretanto, não é algo acessível a todos, no sentido de que você precisa encontrar esses alimentos em feiras e sacolões, para além dos supermercados”. Finalmente, ela relembra o papel do governo: “Entra até a questão de políticas públicas, principalmente para as pessoas com maior vulnerabilidade social”.

João Victor, por sua vez, percebeu que foi apenas quando se mudou para Piracicaba que começou a perceber os preços dos alimentos. Nesse sentido, o ano de 2020 mostrou-se crucial, no sentido financeiro: “[Percebi] o aumento de preços nos alimentos principalmente durante o período da pandemia. As coisas ficaram mais caras, tanto“. E isso fez com que ele pensasse na sua própria dieta: “Isso fez com que eu comprasse, no geral, mais vegetais ao invés de besteiras, ultraprocessados, etc”.
CONCLUINDO…
Vale lembrar aqui que este é um recorte de uma realidade brasileira que é histórica e socialmente muito complexa, e que os comportamentos, atitudes e opiniões não significam uma verdade absoluta.
São as classes menos privilegiadas que sentem o impacto de uma crise econômica de maneira mais intensa. Essa situação pode mostrar-se ainda mais grave no ambiente universitário, onde uma política de permanência estudantil forte poderia estar mais presente na correção dos valores dos auxílios financeiros. Ainda assim, essa falta de ação pode causar mudanças positivas nos hábitos alimentares, uma vez que há uma maior procura por alimentos voltados ao fortalecimento do sistema imunológico e por questões ligadas à sustentabilidade entre os jovens.
Diogo Tomaszewski é técnico em Alimentos e Bebidas pelo SENAI e Cientista dos Alimentos pela Universidade de São Paulo. Participou da 1ª edição do Programa de Embaixadores Choice 2.0, além de outras iniciativas de impacto positivo, como InconforMakers, Jornada Prove e Baanko Challenge. Acredita que uma comunicação autêntica e assertiva é essencial na transição para uma sociedade mais justa.
E-mail: diogo.tomaszewski@usp.br