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  • Foto do escritorAna Luiza Mathias

E para onde vamos depois do COVID-19?


Já faz um tempo que me pergunto se nossa sociedade está seguindo em um piloto automático sem ver para onde leva a estrada. Será que paramos pra pensar em quê e como estamos fazendo? Que tipo de relações e valores estamos cultivando na coletividade?

Com a pandemia, essa questão se exacerbou e, se antes a ignorávamos, agora ela foi esfregada na nossa cara.

Nas minhas pesquisas sobre como chegamos até aqui e o que embasou nosso caminho, descobri os estudos sobre desenvolvimento. Uma corrente que buscava compreender o que tornava alguns países "desenvolvidos" e outros não.

Por muito tempo, a visão predominante era de que existia um caminho único a se seguir para chegar lá: seguir os passos dos países de Primeiro e Segundo Mundo. Em particular a industrialização. O tempo foi passando e os desafios chegaram. A crise climática foi se tornando mais e mais evidente, passamos por crises financeiras e econômicas profundas, em especial na América Latina nos anos 80 e 90. Começamos a ver que esse caminho poderia trazer algumas respostas para alguns desafios, mas também escancarava outros. Vimos que os indicadores subindo não significavam necessariamente uma melhor qualidade de vida.

No meio do caminho, vários teóricos e termos foram surgindo nas pautas pra falar sobre que tipo de Desenvolvimento é esse que queremos ter. Propôs-se agregar o desenvolvimento humano na equação, incorporando questões como escolaridade e mortalidade, para além da renda gerada dentro dos países.

E logo se popularizou o termo Desenvolvimento Sustentável, por vezes bastante associado a um componente ambiental, mas, hoje com a Agenda 2030, agregando outros componentes sociais importantes em uma visão mais holística do Sustentável.

Mesmo assim, alguns críticos dizem que não questionar mais profundamente os valores sobre os quais vivemos é tapar o sol com a peneira. Será que esse caminho é o melhor que estamos tomando, dada a urgência e magnitude dos desafios que temos? Agora, agravados pela pandemia.

Algumas visões estão buscando alternativas a essa ideia de que existe apenas um caminho óbvio, e criticam fortemente esse termo que classifica os países como "desenvolvidos" e "subdesenvolvidos" ou "em desenvolvimento". Alguns dos argumentos são pela própria definição de desenvolvimento.

O que significa? Se olhamos por algumas interpretações da biologia, por exemplo, um organismo desenvolvido é aquele que já atingiu sua maturidade, já preencheu a fase de maturação, alcançou o ápice de sua potencialidade.

Os críticos dizem que este rótulo coloca uma linha de chegada comum e inevitável a todos. E que alguns já chegaram lá, outros ainda não porque lhes falta algo, por vezes associado com componentes culturais.

Além disso, a métrica comumente utilizada é o crescimento de PIB per capita associado à ampliação de bem-estar. Mas, como bem ilustrou Bauman em “A Arte da vida”, nessa conta entram gastos com medicamentos, ao mesmo tempo em que não entram os pequenos e bons momentos que temos com família e amigos, por exemplo.

Essas visões chamadas de pós-desenvolvimento buscam colocar o modelo de criação de bem-estar sobre outros valores, partindo de diferentes premissas. Uma delas, compartilhada por várias correntes, é se desvencilhar dessa visão de necessidade de crescimento a qualquer custo como métrica de sucesso. Uma vida frugal. Ou, como já dizia Balu, "somente o necessário". Algumas dessas visões são conhecidas como Decrescimento, Buen Vivir e Grande Transição.

Outras correntes buscam inserir na lógica da produção e consumo uma relação mais próxima com o ecossistema local e a própria cultura. Partindo-se do convívio em harmonia entre comunidade e natureza, não isenta de conflitos. Valorizando os componentes de cultura local ao mesmo tempo em que não se ignoram os achados da tecnologia e da ciência, mas incorporando-os conforme as pessoas que ali vivem e serão afetadas achem necessário e façam as adaptações necessárias. Essa corrente aqui toma o nome de Tecnologia Social.

A crítica é de que a visão ocidental tecnocrática associa as culturas nativas e tradicionais com saberes primitivos e que, inclusive, impedem o avanço desses locais. Um termo bastante utilizado para ilustrar esse estigma é o "Orientalismo". Associado com a narrativa do "branco herói" que precisa salvar as populações indefesas, o “Oriente” é visto como primitivo, carente, inferior. Soa familiar?

Apesar de parecerem ideias distantes e inalcançáveis, temos exemplos bastante próximos que estão questionando as lógicas do status quo, como as moedas sociais, o turismo de base comunitária, as plataformas que permitem que as pessoas troquem seus saberes através de um "banco de tempo", entre outras iniciativas.

Nesses tempos de pandemia, estamos vendo todos os dias o quanto temos urgência de repensar muitas coisas. Sistemas, instituições, processos.

Temos muitos exemplos de criatividade e solidariedade local buscando se unir para se proteger e prosperar como coletividade em um cenário para o qual ninguém estava totalmente preparado (e nós menos ainda).

Claro, nem tudo são flores. Mas, nesses tempos, é bom não se esquecer que não estamos tão de mãos atadas quanto pensamos.

Hoje em dia, vejo o quanto a ação local e aparentemente pequena é importante. Se os desenhos das nossas instituições são impenetráveis ainda ao acesso e a voz de grande parte da população, ações no âmbito local podem nos inspirar e se espalhar por aí. Podem ser uma faísca.

Claro, não menosprezo o poder e a necessidade urgente de engajamento e organização para modificarmos os sistemas e instituições que temos hoje. Mas precisa mesmo ser só um ou outro? Somente me mobilizo para modificar o macro, ou somente atuo no micro? Por que não ambos?

Não sei.

O que sei e sinto é que a chamada "janela de oportunidade" está escancarada para colocarmos em pauta: de que forma prosseguiremos daqui? Sobre que valores? Que relações queremos ter?

Ana Luiza Mathias é Internacionalista, mestra em Gestão de Políticas Públicas pela USP e professora do curso de Ciências Econômicas. Embaixadora Choice da turma 5 (2013.2) atuou com a temática desde então, academicamente e profissionalmente. Trabalhou na Aspen Network of Development Entrepreneurs, no Movimento Choice e hoje trabalha com educação a distância, com tutoria, conteudista e aulas ao vivo. Também realiza trabalhos em pesquisa e facilitação. Acredita no poder da transformação através de uma educação crítica e proativa.

analuizamathias9@gmail.com

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